terça-feira, 30 de outubro de 2007

Bilhete...



Se tu me amas,
ama-me baixinho.

Não o grites de cima dos telhados,
deixa em paz os passarinhos.

Deixa em paz a mim!

Se me queres,
enfim,

.....tem de ser bem devagarinho,
.....amada,

.....que a vida é breve,
.....e o amor
.....mais breve ainda.


Mario Quintana

O Gato


O gato chega à porta do quarto onde escrevo.
Entrepara...hesita...avança...
Fita-me.
Fitamo-nos.
Olhos nos olhos...
Quase com terror!
Como duas criaturas incomunicáveis e solitárias
Que fossem feitas cada uma por um Deus diferente.


Mario Quintana por Mario Quintana

"Nasci em Alegrete, em 30 de julho de 1906. Creio que foi a principal coisa que me aconteceu. E agora pedem-me que fale sobre mim mesmo. Bem! Eu sempre achei que toda confissão não transfigurada pela arte é indecente. Minha vida está nos meus poemas, meus poemas são eu mesmo, nunca escrevi uma vírgula que não fosse uma confissão. Ah! mas o que querem são detalhes, cruezas, fofocas... Aí vai! Estou com 78 anos, mas sem idade. Idades só há duas: ou se está vivo ou morto. Neste último caso é idade demais, pois foi-nos prometida a Eternidade.

Nasci no rigor do inverno, temperatura: 1grau; e ainda por cima prematuramente, o que me deixava meio complexado, pois achava que não astava pronto. Até que um dia descobri que alguém tão completo como Winston Churchill nascera prematuro - o mesmo tendo acontecido a sir Isaac Newton! Excusez du peu...


Prefiro citar a opinião dos outros sobre mim. Dizem que sou modesto. Pelo contrário, sou tão orgulhoso que acho que nunca escrevi algo à minha altura. Porque poesia é insatisfação, um anseio de auto-superação. Um poeta satisfeito não satisfaz. Dizem que sou tímido. Nada disso! sou é caladão, introspectivo. Não sei porque sujeitam os introvertidos a tratamentos. Só por não poderem ser chatos como os outros?

Exatamente por execrar a chatice, a longuidão, é que eu adoro a síntese. Outro elemento da poesia é a busca da forma (não da fôrma), a dosagem das palavras. Talvez concorra para esse meu cuidado o fato de ter sido prático de farmácia durante cinco anos. Note-se que é o mesmo caso de Carlos Drummond de Andrade, de Alberto de Oliveira, de Érico Veríssimo - que bem sabem (ou souberam) o que é a luta amorosa com as palavras."

Suas Obras:
A Rua dos Cataventos (1940), Canções (1945), Sapato Florido (1947), poemas em prosa; Espelho Mágico (1948), O Aprendiz de Feiticeiro (1950). Em 1962 reuniram-se suas obras em um único volume, sob o título Poesias. Outras obras: Caderno H, Pé de Pilão (1968), Apontamentos de História Sobrenatural (1976), A Vaca e o Hipogrifo, Nova Antologia Poética (1982), Batalhão das Letras (1984).

Dentre suas obras traduzidas, destacamos:
Lin Yutang, Charles Morgan, Maupassant, Proust, Rosamond Lehman, Voltaire, Virginia Woolf, Papini, . Em sua poesia há um constante travo de pessimismo e muito de ternura por um mundo que, parece, lhe é adverso.

terça-feira, 23 de outubro de 2007

DO AMOROSO ESQUECIMENTO...



Eu agora - que desfecho!
Já nem penso mais em ti...
Mas será que nunca deixo
De lembrar que te esqueci?


Mario Quintana - Espelho Mágico

Casa de Cultura Mario Quintana

A Casa de Cultura Mario Quintana é o prédio com uma rua no meio, cor de rosa, que fica à direita de quem segue pela rua da Praia. Impossível não reconhecer. Ali era o Hotel Majestic, onde o poeta Mário Quintana morou por muito tempo.Quintana passava maior parte de seu tempo ali, escrevendo, pensando e criando seus diversos poemas. O hotel foi construído no início do século, tendo sido inaugurado em 1923. Abrigou principalmente os jovens filhos de fazendeiros que vinham para a capital estudar nas faculdades.
Totalmente restaurado, se transformou em um ponto de referência cultural da cidade. Tem 14 espaços dedicados a espetáculos de arte, livraria, restaurante, café concerto, sala de vídeo, discoteca pública, biblioteca infanto-juvenil, teatro, auditório, salas de cinema, centro de convenções culturais e galeria de arte. Sempre há alguma coisa boa, interessante, instigante acontecendo por ali.

***Biografia***



Poeta de refinada sensibilidade, capaz de transformar em poemas até mesmo seus textos em prosa, Mário Quintana costumava afirmar que seu único segredo era ser sincero, pois não escreveu uma só linha que não fosse confessional.
Mário de Miranda Quintana nasceu em Alegrete RS em 30 de junho de 1906. Publicou seus primeiros versos na revista literária do Colégio Militar, em Porto Alegre RS, onde estudou de 1919 a 1924. Depois de um breve retorno à terra natal, trabalhou no jornal O Estado do Rio Grande do Sul, da capital gaúcha, e na Livraria do Globo, posteriormente Editora Globo. Em 1940 lançou seu primeiro livro de poemas, A rua dos cataventos, a que se seguiram Canções (1945), Sapato florido (1947), O aprendiz de feiticeiro (1950) e Espelho mágico (1951). Em 1962 esses volumes foram reunidos e editados sob o título Poesia.
Em 1953, passou a trabalhar no jornal Correio do Povo, onde durante quatro décadas publicou poemas na coluna Caderno H. Em 1966, a seleção de poemas Antologia poética, editada por Rubem Braga, consagrou Quintana como um dos grandes nomes da poesia brasileira. Sem se enquadrar em qualquer escola literária, livre de compromissos com o rigor formal, em sua obra o poeta filosofa, numa linguagem ao mesmo tempo coloquial e bem cuidada, sobre temas do cotidiano, da infância, da morte, do amor e do tempo, e tece reflexões sobre o bem e o mal, que evoca na forma de Deus, anjos e o diabo.
Também prolífico e respeitado tradutor, em 1980 Quintana recebeu da Academia Brasileira de Letras o Prêmio Machado de Assis pelo conjunto de sua obra, que inclui ainda Quintanares (1976), Apontamentos de história sobrenatural (1976), A vaca e o hipogrifo (1977), Esconderijos do tempo (1980), Baú de espantos (1986), Preparativos de viagem (1987) e Porta giratória (1988), além de antologias. Mário Quintana morreu em Porto Alegre, em 25 de maio de 1994.




O MAPA


Olho o mapa da cidade
Como quem examinasse
A anatomia de um corpo...

(É nem que fosse o meu corpo!)

Sinto uma dor infinita
Das ruas de Porto Alegre
Onde jamais passarei...

Há tanta esquina esquisita,
Tanta nuança de paredes,
Há tanta moça bonita
Nas ruas que não andei
(E há uma rua encantada
Que nem em sonhos sonhei...)

Quando eu for, um dia desses,
Poeira ou folha levada
No vento da madrugada,
Serei um pouco do nada
Invisível, delicioso

Que faz com que o teu ar
Pareça mais um olhar,
Suave mistério amoroso,
Cidade de meu andar
(Deste já tão longo andar!)

E talvez de meu repouso...